domingo, 24 de abril de 2016

24 Horas Strong Run a continuação

Ora então vamos lá a essa aventura que foi correr 24 horas por equipas.

Continuação

Sábado amanheceu com chuva, muita chuva, no entanto as previsões para Loulé diziam que a partir das 16 horas não iria chover mais. Menos mal!
Momentos antes da partida

Chegámos ao local às 14 horas e tratámos das formalidades: levantamento de dorsais e um pequeno briefing sobre a prova, mais especificamente sobre a transmissão do testemunho (uma pulseira feita de velcro). Isto tudo porque teria de ser feita a transmissão dentro de um determinado espaço e seguir depois um procedimento para que não houvessem erros com a marcação de voltas no chip.
Nesta altura, eu pessoalmente, já estava bastante nervoso e facilmente irritável, a ansiedade tomava conta de mim e queria começar logo que possível. 
Como referi no post anterior, a Tânia seria a primeira a correr. Estava calma na linha de partida à hora marcada.
Tiro de partida. Iniciado o relógio das 24 horas.

Tudo bem com as primeiras transmissões de testemunho e tal como planeado a Tânia fez 1 volta (6km), a seguir eu, a Rita, o Filipe e de novo a Tânia até perfazer-mos todos 3 voltas, todos com 1:30h de descanso entre cada volta.
Primeiras 3 voltas num total de 18km, sempre a muito bons ritmos tendo em conta o tipo de percurso e a duração total da prova. Tudo bem como planeado!
Mas, e há sempre um mas, a partir daqui tudo começa a mudar, e de que maneira...

Já era de noite e nas últimas voltas o tempo muda e começa a chover, não é muito mas é o suficiente para ficarmos bem molhados ao fim de uma volta! Logo no momento em que iríamos começar a fazer 4 voltas seguidas!

A Rita no final da sua última volta das três primeiras, na passagem que faz pela zona de controlo já avisa o Filipe para calçar os ténis de trail porque o piso no cerro de Santa Luzia começa a ficar com lama e escorregadio. Entretanto fica também algum frio e nevoeiro que com as luzes dos frontais diminui a visibilidade. 

A Tânia inicia as suas 4 voltas (24km) apenas com 1:30h de descanso, eu iria descansar 3 horas, a Rita 4:30h e o Filipe 6 horas. 
Nessas 3 horas aproveitei para jantar e tentar descansar qualquer coisa. Mas a noite estava de chuva e frio, a tenda não era totalmente impermeável e começava a entrar água, mas acima de tudo, a Tânia estava lá fora a correr , à chuva, no frio, já não havia ninguém nas ruas e fazer quatro voltas devia ser muito mau...por isso preparei alguma comida, água e isotônico e sai para a chuva também para lhe ir dar apoio a cada volta. Apesar de tudo a cada passagem ela parece bem.

Realizando só um pequeno parênteses, o circuito da prova (6km) tinha a forma de um 8, ou seja, partiamos do meio, íamos ao cerro de Santa Lúzia, voltávamos a passar no centro e fazíamos a parte baixa da cidade velha de Loulé, voltando outra vez ao centro. Ou seja, passamos 2 vezes pelo centro (onde se encontrava o controlo de passagem).
Mapa do percurso. Como podem ver na zona das bandeirinhas era a partida e chegada, era a zona de concentração onde passávamos 2 vezes a cada volta ao circuito. 

Na última volta ela diz que lá em cima no cerro o trilho parece "manteiga", escorrega muito, já torceu o pé várias vezes, e está bastante cansada. Está prestes a completar um total de 36 kms!

Por esta altura começo a ir à casa de banho vezes de mais para o meu gosto. O meu sistema digestivo começa a ressentir-se e a mobilidade intestinal aumenta o que me leva à sanita 3 vezes seguidas. E quando volto à tenda para me preparar para ir render a Tânia a Rita diz-me que não está a conseguir comer nada...

Recebo o testemunho da Tânia e em pouco tempo percebo que as pernas já não querem cooperar. No primeiro trilho, um single track, começo a escorregar e opto por correr nos "bordos" do trilho que tem erva e escorrega menos, mas ao fim de 100 metros torço o pé, nada de especial mas é um "abre olhos" para ter cuidado e reduzir o ritmo. Era praticamente impossível correr devidamente, toda a zona de trilho está muito perigosa e as zonas de descida com pedras têm de ser feitas a passo. 
A primeira volta ainda assim não corre mal. Mas assim que inicio a segunda volta, a subir, tenho de parar para andar. O frio aperta cada vez mais e estou encharcado, mas ainda tenho 18km pela frente...Começo a mudar bastante o meu estado de espirito. Dá-se uma transformação, sinto que entro noutra "dimensão". Começo a divagar muito nos pensamentos e perco-me em reflexões existenciais...(aquilo por que passei podia ficar só para mim, mas o blog serve também para fazer a catarse das provas, por isso continuo). Começo a ficar profundamente deprimido, cansado e num estado de melancolia. Sentia que estava a "queimar" todos os meus créditos de corrida. A corrida para mim ía acabar quando a prova acabasse, nunca mais queria correr. Não fazia mais sentido correr, sentia o corpo a reclamar, as articulações estavam a emperrar, os músculos latejavam...Entro num estado de transe tal que na parte baixa da cidade sigo em frente numa rua quando era para ter virado à direita. Por sorte tinha acabado de passar outro atleta que quando me vê ao fundo da rua, grita e chama por mim. Acordo, olho em volta e penso - Onde estou eu? estava a dormir? Continuo, adormeço outra vez e no single track torço o pé outra vez.
 - BOLAS! não se vê nada. 
A subir o cerro encontro pessoal da organização a tirar fotos no meio do nada. Estão a fazer o percurso em sentido contrário e sempre vêm se está tudo bem. Esta zona começa a ficar muito perigosa.
 - BOA, FORÇA! desejam-me sorte, dão-me força, mas não consigo reagir. Vou com os olhos no chão a tentar não cair, inundado pelos meus pensamentos.



Algumas das fotos tiradas durante as minhas 4 voltas. A última espelha bem o estado de transe e medo em que ia.

Começo a pensar na Rita que virá a seguir. Ela não vai conseguir, eu não estou a aguentar, ela vai desistir...Apetece-me chorar, já não consigo correr nas descidas também. Passo na zona central da prova e ninguém reage à minha passagem, estão todos recolhidos, está uma noite boa para estar na caminha, no quentinho.
Era este o cenário à noite. Ninguém a não ser um atleta que acaba a sua volta ou um outro que vai iniciar.
Esta é a zona central do circuito. Ao fundo o portico de partida e chegada. Está dividido ao meio porque se corre para lá e para cá.

Terceira volta, metade já está! Por outro lado, ainda faltam 2 voltas!
Single track, deixa-me lá ver bem que já torci o pé por aqui algures... Mas decido parar antes, preciso aliviar a bexiga, venho com uma sensação estranha à algum tempo. Urino pouco, nada de especial, mas sinto-me aliviado. Sigo, e... zás! torço o pé outra vez.
 - FO.... desta vez fico à rasca. Paro para me apoiar a uma árvore a praguejar e passa um atleta por mim que grita:
 - OBRIGADO! 
 - Obrigado o c......
Contínuo, tenho de continuar. Ao passar de novo na zona da meta a caminho da parte baixa da cidade vejo a Tânia. Tal como eu também ela abdica do descanso para me vir dar abastecimento. No entanto recuso, estou demasiado letárgico. Mas quando volto para cima para entrar na última volta paro para beber um pouco de isotónico e comer meia banana. Ela deseja-me sorte e vai-se deitar. Antes acorda a Rita que me irá render.
Última volta, já não me deixo enganar e não torço o pé, faço todo o single track pela direita o mais devagar possível ainda assim a correr (mais tarde, já de dia, constatei que era uma raiz de árvore que atravessava o carreiro na diagonal). Quando passo mais uma vez pela zona da meta a Rita já está à minha espera. Olho para ela e vejo uma cara triste, de medo, está pálida, os olhos fundos e cavados, só consigo dizer:
  - Vai-te preparando! - que belo incentivo, ah amigo!
Cidade velha. Volto e entrego-lhe o testemunho a fazer um esforço para não chorar de cansado, de alívio, de ter terminado e de compaixão pela Rita que vai ter de passar pela tormenta da noite.
 - Vai com calma Rita, se quiseres podes fazer tudo a andar, não te preocupes. É muito duro!
 - Ainda não comi nada, não consigo, fico nauseada, só me apetece vomitar. Responde. E parte então para as suas 4 voltas.

Regresso à tenda, pego nas coisas para ir tomar um banho para aquecer, tenho as mãos congeladas.
O banho revitaliza-me traz-me de volta à realidade. Tenho fome.
A organização disponibilizou senhas para levantarmos 1 sopa e 1 bifana, vou aproveitar agora e depois vou dormir. Mas quando acabo de tomar banho e vou urinar...castanho, castanho escuro, parece ice tea mas mais escuro. Cai-me tudo, e começo logo a pensar o pior. Acabou, para mim a prova acabou! Regresso à tenda e digo à Tânia o que se está a passar.
 - Acabou! ela diz que acabou a corrida.
 - Calma! vamos esperar, vou hidratar bem agora e ver como me sinto.!
Argumentamos um pouco e acordamos que vamos esperar até amanhecer e esperar a próxima micção para avaliar.
Vou então comer e conto ao Filipe o que se passou. Ele, claro, dá-me na cabeça e diz que devo beber mais água!
Enquanto descanso, agora tenho 5 horas até á próxima volta, o Filipe vai para junto da meta para dizer à Rita o que se está a passar e decidem alterar o planeado. Em vez de fazerem 4 voltas a Rita e depois 4 voltas o Filipe, alteram para 2 voltas a Rita, 2 voltas o Filipe e de novo 2 a Rita e 2 o Filipe até perfazerem as 8 voltas que os dois têm de dar. E assim minimizam o cansaço, não se desgastam tanto e mantêm o ritmo. E claro não correm o risco de desenvolver uma lesão renal ou coisa que o valha.

Conseguem superar a noite os dois. O dia nasce e é tempo de a Tânia se preparar para nova volta, desta vez serão 2 de seguida. Levanto-me também e digo que vou à casa de banho.
 - Fazes para uma garrafa que eu quero ver como está Isac! e frisa bem o meu nome.
 - Ok... eu faço... Vou à casa de banho e encontro o Filipe que tal como eu também já anda com o intestino desregulado.
Vou com o coração a bater rápido, nem ouso o que me está a contar, só quero urinar e ver como está a cor. Ele continua a falar a falar, todo empolgado. Começo a urinar e...normal.
 - Está normal, grito. Filipe olha está normal. Fazemos uma festa. Posso correr.
Regresso à tenda e digo à Tânia que está normal, que o Filipe viu. Ele confirma.
 - Está bem vá, mas BEBE ÁGUA!

O que o Filipe me estava a tentar dizer na casa de banho era que a Rita durante a noite quando acabou as suas 2 primeiras voltas se deixou atrasar no regresso e que quando ele estava a terminar as suas e era suposto passar-lhe o testemunho, ela não estava lá e ele coitado teve de fazer mais uma volta extra.

Entretanto decidimos fazer como a Rita e o Filipe e em vez de fazer-mos 2 voltas cada um num total de 4, vamos fazer 1 volta cada um à vez, até um total de 4 na mesma, mas menos cansativo e assim mantemos o ritmo.  É que ao fim de 15 horas de prova com quase 170 kms estamos em 5º lugar num total de 20 equipas.
Ganhamos todos novo animo, mas só mesmo isso porque o corpo está no limite. Faço as 2 voltas em alternância com a Tânia em piloto automático, passa sem dar por isso, faço os piores tempos, desânimo...

No início tinha apostado com a Tânia que seria capaz de fazer tudo numa média de 5min/km, ela disse que estava maluco, que não tenho treinos para isso. Eu, teimoso, aposto que sou capaz de fazer média de 5min/km e que faço as duas últimas voltas abaixo dos 5min/km. Se ganhar, ganho um frontal que ando a "namorar" mas que é um pouco caro. Ela, se ganhar, dou-lhe um relógio que ela anda a "namorar". Pois...mas nesta altura não me parece que esteja bem para o meu lado, mas também já não quero saber, só quero acabar isto tudo e nem sei se sou capaz.

Ao fim destas 2 voltas vou descansar mais um pouco e consigo pela primeira vez dormir 1 hora. Acordo muito melhor. Saiu da tenda e a Rita já está mais bem disposta, diz que já consegue comer.
Todos nós, cada um com o seu problema, os seus limites, de alguma forma conseguimos ultrapassar o limiar do impossível, do nosso impossível. Fazemos uma travessia para onde pensámos não ser capaz de passar.
Em conversa com outros atletas todos dizem que é muito mais difícil este "pára-arranca" que se fosse de seguida era mais fácil. O parar e saber que ainda se tem de fazer mais uma volta é muito desgastante tanto para o corpo como para a mente. Quando o corpo pensa que vai descansar...bimba mais uma volta!

Estamos em 4º lugar em equilíbrio, ou caímos para sexto ou conseguimos um 3º lugar.
A manhã vai a meio, há uma aula de zumba que traz animação ao local, em breve vai haver um jogo de Rugby no campo mesmo ao lado da meta. O ambiente está bem mais animado. O Filipe está empolgado, começa a estudar uma estratégia, a sua veia competitiva vem ao de cima e acredita mais que todos nós que podemos fazer surpresa.
Ninguém nos tomou como ameaça e agora todos nos olham e comentam. Ouvimos comentários quando passamos, conversas que acabam quando nos aproximamos. Uma equipa mista com 2 mulheres estava em 4º lugar em 20 equipas. 5 são equipas mistas, 12 são masculinas e apenas 3 são femininas.

A partir de agora iríamos fazer 1 volta cada um até ao fim, ou seja, descansava-mos 1:30h entre cada volta, à semelhança do que fizemos de início. A Tânia vai em primeiro. Eu entretanto vou bebendo água e mais água para melhorar a função renal. Quando começo a minha volta sinto-me estranhamente bem, vou arriscar. Aumento o ritmo mas tenho de parar a meio, tenho a bexiga a rebentar. Sigo. Passo na zona central e estão todos a gritar por mim (todos é a Tânia a Rita e o Filipe). Ganho animo extra, olho ao relógio e grito para a Tânia:
 - 4:59min/km de média até agora, a aposta mantém-se ;)
Acabo a volta com média de 4:43min/km. Faltam cerca de 3:30 h para o fim da prova. Estamos em 3º lugar. Temos de dar o máximo, a equipa em 5º lugar vai rapidamente ultrapassar a 4ª que está em quebra e se não nos aplicarmos vai-nos passar também.
Com o tempo que falta só vai dar para fazermos 2 voltas cada um. A Tânia e eu já fizemos uma. O Filipe entretanto troca a ordem com a Rita e vai a seguir a mim.
Com um pouco de sorte ainda temos tempo para uma última volta.

Como disse no início, se faltar 1 segundo que seja para as 24horas ainda podemos sair para uma volta, desde que completada em 30 minutos. Essa volta tem de ser feita por nós para mantermos o 3º lugar, caso contrário caímos para 4º. A equipa que nos segue está a crescer e está a uma volta de nós mas a fazer ritmos muito mais rápidos que os nossos.
Pela ordem que seguimos se tivermos tempo para fazer mais uma volta será a Tânia a fazê-la, mas eu voluntario-me para fazer na vez dela. Sinto-me bem e estou a fazer bons ritmos.
O Filipe começa a acusar algum cansaço mas ainda assim mantém um ritmo muito bom, comprovando que é o elemento mais rápido da equipa. A Rita consegue melhorar bastante em relação ao que fez durante a noite e mantém-nos em jogo.

A Tânia parte então para a sua última e dá tudo o que tem. Quando me passa o testemunho só consigo sentir um orgulho enorme na mulher que tenho.
Estugo o passo mais uma vez porque me sinto bem, mas mais uma vez tenho de parar para urinar.
 - Porra! não bebo mais agua! bebi 1,5l na última hora.
Outra volta abaixo dos 5min/km. Estamos quase, passo o testemunho ao Filipe e dou-lhe força para a sua última volta.
Entretanto a Rita está bem mais animada. Os pais e o irmão vieram dar-nos apoio nesta parte final. Prepara-se então para a sua última volta e perguntamos à organização se há algum problema em o irmão dela a acompanhar na sua última volta.
 - Desde que não passe na zona da meta, tudo bem.
Parte então e o irmão junta-se a ela uns metros à frente. Vai feliz, determinada e o irmão não a vai deixar vacilar, puxa por ela. São 15:10h, faltam 50 minutos e temos de completar 2 voltas. Ela consegue fazer 34 minutos na última volta e faz a sua 3ª melhor volta.
A Rita na sua última volta com o irmão.

Faltam 18 minutos para as 24 horas, só tenho de completar a volta e fazemos 3º lugar. Cerro os dentes, sinto-me forte, sinto-me invencível, imparavél...sinto... sinto...sinto vontade de urinar outra vez!!!?? Fonix! Faço-o quase a correr.
Dou tudo por tudo, já há poucos atletas em prova e quando entro na reta da meta para fazer os últimos 100 metros sou bastante aplaudido, na minha modéstia, sinto-me especial, levanto a cabeça, olho em frente e tenho amigos e conhecidos a chamar por mim, a gritar o meu nome. A Tânia está no fim da meta à minha espera. Corto a meta pela última vez e perfaço os 270 km da equipa em 24:10:22 horas.
Eu na reta da meda na ultima volta.

Sinto uma enorme descarga de adrenalina e não me consigo conter, começo a chorar quando fico cara a cara com a Tânia. Atingi o que não imaginava, atingimos todos os nossos limites e ao invés de desistirmos, insistimos e persistimos, tornamo-nos mais fortes. Colhemos os frutos de muitas horas de treino, de tudo o que abdicamos para fazer aquilo que realmente nos dá prazer.
Não consigo parar de chorar. Beijo a Tânia e digo-lhe entre lágrimas (e um pouco de ranho já):
 - Eu disse que era capaz de fazer abaixo dos 5min/km. Quero o meu frontal! 

Os números da equipa:

3ª classifica entre 20 equipas
45 voltas
24:10:22 horas, tempo de prova
270 kms
05:22min/km média de ritmo

Eu:
12 voltas
05:56:34 horas
72 kms
26:40 min, melhor volta
04:57min/km média de ritmo

Ela:
11 voltas
06:01:53 horas
66 kms
29:46 min, melhor volta
05:29min/km média de ritmo

Rita:
11 voltas
06:46:23 horas
66 kms
30:49 min, melhor volta
06:09min/km

Filipe:
11 voltas
05:22:11
66 kms
26:08 min, melhor volta
04:53min/km

O Pódio

Uma equipa Feliz!
Video oficial da prova!


terça-feira, 19 de abril de 2016

24 Horas Strong Run

O titulo deste post tem exatamente o nome da última prova em que participámos e não podia estar mais de acordo com aquilo que envolveu. Desde a organização, passando por todos aqueles que se aventuraram nesta prova todos foram absolutamente Strong!



Pela dimensão do que foi esta prova achei por bem dividir o relato deste fim de semana em vários posts, que irei publicar em várias vezes.

A decisão de participar


Em finais de maio vamos participar (se tudo correr bem) na 3ª Edição do Azores Trail Run no Trail Ultra Faial Costa a Costa // 48km. Como tal achámos que participar numa prova como a Strong Run seria ideal para nos prepararmos da melhor forma possível. Acontece que esta prova é por equipas de quatro elementos e tínhamos que arranjar mais dois elementos. Como por acaso até temos um casal amigo que vai ao Açores connosco, já não havia volta a dar, iríamos fazer 24 horas a correr!


A prova


A prova consistia em percorrer um circuito com aproximadamente 6 kms com zona de alcatrão, calçada (centro histórico da cidade de Loulé) e trilho (cerro de Santa Luzia), durante 24 horas. A participação é por equipas de 4 elementos podendo ser constituída só por elementos masculinos, só femininos ou mista (que foi o nosso caso). No entanto para efeitos de classificação não havia qualquer distinção (não concordo, e mais à frente justifico). O objetivo seria percorrer o maior número de quilómetros nas 24 horas, sendo que apenas um elemento da equipa pode estar em prova de cada vez. A ordem e o número de vezes que cada atleta faz é livre e ao gosto de cada equipa. Por exemplo, pode um só elemento ficar a correr sozinho durante as 24 horas ou então revezar-se a cada volta de 6 kms. No final, desde que ainda não tenha passado as 24 horas ainda pode sair um atleta para fazer mais uma volta desde que não ultrapasse os 30 minutos ou seja às 23:59:59 horas ainda pode sair um atleta para mais uma volta, mas tinha de a fazer, no máximo, em 30 minutos.


O percurso


O percurso, como já mencionei, tem a distância de aproximadamente 6 kms, e aqui aproveito desde já para deixar os parabéns à organização, pois tinha exatamente essa distância, o que nem sempre acontece e se torna bastante frustrante para os atletas que são confrontados com erros de medição de kms. O circuito incluía uma passagem por uma zona mais de trilho e outra pela centro da cidade de Loulé com muita calçada.

A zona do cerro de Santa Lúzia tinha uma subida daquelas que o nosso amigo Luis Santos gosta de chamar "Ai Mãezinha! Cum caraças!" com quase 1 km que nos deixava KO. Tinha ainda trilho com algumas zonas mais complicadas de descidas e subidas. No total tem +/- 140 mts de D+ com acumulado de desnível de 280 mts.
A parte baixa do percurso no centro de Loulé era de calçada mais antiga, muito irregular com ruelas estreitas e curvas de 90º. Passávamos duas vezes pela zona de partida que tinha sempre pessoal da organização, atletas à espera de começar ou a acabar e a zona de abastecimento. No resto do percurso havia dois postos de controlo para além da zona de partida e chegada que tinha controlo por chip.

Altimetria do percurso



Reação do Filipe à primeira volta ao circuito!

A Equipa


A nossa equipa para além de mim e da Tânia que já conhecem era composta pelo casal Rita e Filipe, nossos amigos e colegas de equipa no Clube Oriental de Pechão (por nosso convite ;) )

Com todos os nossos defeitos e virtudes completámo-nos a 100%, tirando o melhor de cada um e superando-nos ao máximo.
Eu sou mais calculista, gosto de ter tudo planeado ao milésimo e fico amuado desapontado quando as coisas não correm bem. Sou capaz de superar os meus limites para provar que estava certo (a parte da superação só a descobri este fim de semana), e "tenho sempre razão e raramente me engano!" é o meu lema...
A Tânia, como a Rita diz, é uma força da natureza, competitiva e persistente, é capaz de não treinar durante um mês por falta de tempo e mesmo assim manter o nível. Pura fibra e raça! A sua única preocupação  é saber "quanto é que tenho de correr?" e pronto é só dizer e ela faz!
A Rita começou a correr à mais ou menos 2 anos, gosta também de ter tudo bem organizado e programado. Por isso foi nomeada a capitã da equipa. Tem o defeito de nem sempre acreditar nas suas capacidades, mas acredito que vai mudar um pouco depois deste fim de semana. É a mais lamejas  do grupo, a lágrima está sempre no canto do olho.
O Filipe também só começou a correr à mais ou menos dois anos mas já dá o bailinho ao velho (que sou eu). É o velocista da equipa, a nossa máquina de correr. Por ele está sempre tudo bem, é na boa, na descontra, sem problema! No entanto é mais empaxado que uma velhinha no supermercado, minha mãe, o homem leva 1 hora para trocar de meias!

Equipa maravilha!
Eu, Ela, a Rita e o Filipe

Preparativos e logistica


Um bom planeamento e logistíca para este tipo de prova pode e faz toda a diferença, quando corre mal a coisa pode complicar ou então fazer alguém amuar, e muito!!!

Comecemos pelo equipamento. Foi preciso levar uma muda de roupa a contar para cada volta planeada ou seja mais de 10 mudas, incluía roupa interior, t-shirts calções, puffs, etc... mais 3 pares de ténis cada um, corta vento e impermeável (pelo menos 2 cada um), roupa para usar enquanto esperávamos pela nossa vez ou descansava-mos, um cem número de artigos indispensáveis tais como carregadores de relógio GPS e telemóveis, óculos, porta dorsais, frontais, etc, etc... uma mala cada um só com roupa mais uma para ténis, sacos cama e tenda, sim porque tínhamos de ficar lá a dormir, nas imediações do local da prova.
A comida foi toda preparada antes e planeado o que deveríamos comer e quando deveríamos comer. Levámos como refeição principal atum com batata doce, cenouras e ovos cozidos. Depois tínhamos maçãs, bananas, pão sem glúten (nos temos uma dieta sem glúten e tentamos  seguir ao máximo o conceito paleolítico, que num post posterior explicarei os benefícios por nós alcançados) e suplementos à base de proteína. Para além do que tínhamos a organização disponibilizava num posto de abastecimento localizado a meio do percurso, fruta, barras energéticas caseiras, água e isotónico, frutos secos, batatas fritas, etc.

Ainda neste capítulo cabe-me falar do planeamento da estratégia de prova em si. E aqui foi uma dor de cabeça. Saber como nos íamos revezar durante a prova, saber os tempos de descanso de cada um, garantir que todos tinham um período de descanso durante a noite e que todos fizessem também uma parte durante a noite foi do mais complicado e de difícil consenso entre todos. Eu e a Tânia queríamos menos saídas para correr, isto é, queríamos fazer turnos mais longos e dar mais voltas seguidas. No entanto a Rita e o Filipe alegavam que iria ser mais desgastante e preferiam menos voltas de cada vez. No final acabou por prevalecer a opinião do Filipe que planeou que faríamos um período de 1 volta (6kms) cada um até às 22 horas (a prova teve início às 16horas de sábado) ou seja, 1:30h de descanso entre cada volta num total de 3 cada um, seguido de um período de 4 voltas (24kms) cada, até às 06:00h de domingo. Aqui já começava a alternar os períodos de descanso, uns com mais, outros com menos. Depois faríamos outro período em que cada um faria 2 voltas (12kms) e o tempo restante ia-mos alternando uma volta cada. Tirámos à sorte a ordem de saída e ficou acordado que seria a Tânia em primeiro depois eu, a Rita e no final o Filipe. No entanto no dia anterior eu fiquei com a sensação que seria o terceiro e não o segundo a sair para correr, na teoria correríamos o mesmo mas os períodos de descanso alteravam. Eu que gosto de "formatar" e planear o que tenho de fazer fiquei possesso da vida quando soube que era segundo. Lá tive de estudar tudo de novo e me adaptar ao planeado por todos.
Parece fácil mas não é. Quando se começa a ponderar os prós e contras de cada situação torna-se difícil tomar a decisão acertada. Mas acabámos por planear tudo em consenso e sem discussão. No entanto, da teoria à prática vai um longo caminho e durante 24 horas muita coisa pode acontecer, e aconteceu!

Continua...